Componentes eletrônicos vs. impressão 3D: o quão distante estamos dessa realidade?

Florens Wasserfall é pesquisador sênior no Departamento de Informática da Universidade de Hamburgo, na Alemanha. Ele começou a trabalhar com impressoras 3D em 2011, e concluiu seu mestrado em “algoritmos de fatiamento adaptativos para a impressão FFF” (ou FDM, como preferir) em 2014. Foi quando a integração de eletrônicos e sensores em peças impressas em 3D despertou um forte interesse no cientista alemão.

Em janeiro deste ano, durante a 3D Printing Electronics Conference, realizada em Eidhoven, na Holanda, Florens esteve presente para apresentar seu projeto de uma cadeia completa de ferramentas para projetar e imprimir eletrônicos fazendo uso de uma impressora FDM modificada + slicer modificado.

Nesta entrevista, exclusiva para o 3DPrinting, o cientista explica a motivação do projeto com referências detalhadas para quem quiser seguir os passos do autor, já que o projeto é totalmente open source:

3DPrinting: Você possui um artigo publicado no ResearchGate sob o nome “Fatiamento adaptativo no processo FDM”, de agosto de 2017. Neste artigo, é proposta “uma medida de controle mais intuitiva e a implementação de alturas de camadas para peças impressas em 3D, com manipulação de altura de curva interpolada”. Poderia nos contar mais sobre esse projeto, em especial no que diz respeito ao(s) software(s) de código aberto usado(s) no processo e por quê?

Florens Wasserfall: A impressão 3D vem com o trade-off inerente entre velocidade e qualidade: maior resolução requer mais camadas e, portanto, mais tempo de impressão. Variar a espessura da camada para imprimir apenas regiões sensíveis com alta qualidade é uma das poucas técnicas para resolver esse problema. A ideia existe há mais de 20 anos na comunidade científica, mas nunca foi implementada em um produto real. Quando decidimos contribuir com a implementação da geração de camada adaptativa para a comunidade de impressão 3D, um dos principais requisitos era que o projeto fosse open source.

Agora está integrado na versão principal do Slic3r, sendo o Cura uma das duas ferramentas open source mais importantes para a impressão FDM. Durante os nossos testes, as soluções algorítmicas não corresponderiam exatamente aos requisitos do usuário em muitos casos. Para lidar com esse problema, criamos uma ferramenta gráfica de curva de altura para dar mais controle ao usuário.

3DPrinting: Como a Computação Adaptativa pode atender às metas agressivas colocadas em jogo pelos conceitos da Indústria 4.0 na Alemanha, que, por sua vez, está à frente de muitos países em relação a essa matéria?

Florens Wasserfall: A integração nativa de eletrônicos no processo de fabricação de aditivos certamente tem potencial quando se trata de conceitos de produções flexíveis e mais inteligentes. Imagine protótipos ou dispositivos personalizados que sejam fabricados em questão de horas, como já é o caso com objetos puramente mecânicos.

O segundo aspecto importante é “liberdade de design”. O aumento e o barateamento dos LEDs brilhantes disponíveis no mercado atualmente já desencadeou uma onda de soluções de iluminação integrada, flexível e orgânica. A integração direta com o 3D pode proporcionar aos designers uma liberdade ainda maior e permite a integração adicional de todos os tipos de sensores e conexões.


3DPrinting: Você acha que será possível, em um futuro próximo, integrar fios e componentes eletrônicos em uma peça impressa em 3D que pode ser fabricada em casa usando uma impressora 3D FFF de baixo custo?

Florens Wasserfall: Na verdade, isso já acontece atualmente. As impressoras FDM que utilizamos são um pouco maiores do que a impressora doméstica usual para que haja espaço suficiente para o hardware experimental, mas não possuem componentes caros ou “não disponíveis”. Na verdade, a maioria das modificações foram feitas imprimindo partes da máquina original na própria impressora.


3DPrinting: Durante a sua palestra no 3D Printing Electronics Conference, você apresentou uma cadeia completa de ferramentas para projetar e imprimir eletrônicos em 3D fazendo uso de uma impressora FDM modificada + slicer modificado, que importa o modelo CAD e um esquema PCB EAGLE comum. Gostaria de saber se esse também é um projeto de código aberto, e se seria possível detalhar pelo menos um pouco algumas referências para aqueles que desejam se aprofundar no assunto.

Florens Wasserfall: Adicionamos uma segunda extrusora para material condutor (Silver-ink), um bico direcionado à vácuo e duas câmeras a uma impressora FDM normal. O hardware é tecnicamente capaz de imprimir fios eletrônicos em qualquer posição durante o processo de impressão. Também podemos incluir componentes do tipo SMD automaticamente, que são então conectados pelos fios impressos. Vários outros grupos demonstraram configurações de hardware semelhantes, portanto, essa abordagem pode ser considerada viável.

Para que seja realmente possível usar este tipo de impressora, precisamos de uma ferramenta que nos ajude com o design 3D da eletrônica da peça. Nós não queremos nos preocupar com o próprio projeto esquemático nesse ponto, mas, em vez disso, simplesmente usamos o EAGLE para modelar componentes e conexões e fazer coisas adicionais como ERC.

Versão modificada do Slic3r suporta integração e roteamento de componentes e fios eletrônicos em objetos 3D ‘imprimíveis’.

Como pontuei anteriormente, a integração real é feita como uma extensão do Slic3r. O usuário abre um modelo CAD normal (.stl) e pode carregar um esquema adicional (.sch) para cada modelo. O design e o arranjo do circuito são similares ao layout de uma placa 2D-PCB (placa de circuito impresso), mas é apresentado neste caso em um esquema final de ferramenta com um controle deslizante para percorrer a dimensão Z. Os componentes podem ser colocados em posições arbitrárias dentro ou sob o objeto. As conexões são visualizadas como elásticos e podem ser roteadas definindo waypoints.

OctoPNP é um plugin do OctoPrint para aplicações que envolvem uso de câmera em impressoras 3D.

O Slic3r cria camas e canais alinhados para fios e componentes e gera um ‘padrão de escada’ (stair pattern) para interligações z. O resultado pode ser exportado como um arquivo gcode normal para impressão. Na última etapa, o objeto é finalmente impresso. Criamos um plugin OctoPrint para controlar de forma interativa as câmeras e a pinça à vácuo. Todas as informações necessárias estão incorporadas no gcode.

Informações detalhadas sobre o processo de fatiamento podem ser encontradas em nosso paper: http://sffsymposium.engr.utexas.edu/sites/default/files/2016/147-Wasserfall.pdf

O design do hardware, extensões Slic3r e o OctoPNP estão publicados como software de código aberto sob licenças GPL:

https://github.com/platsch/Slic3r
https://github.com/platsch/OctoPNP

3DPrinting: Você é um pesquisador associado no Departamento de Informática da Universidade de Hamburgo, na Alemanha. Poderia nos contar sobre os projetos em andamento por lá? Existe algum em especial no momento que envolva Robótica + Inteligência Artificial + Impressão 3D, por exemplo?

Florens Wasserfall: Atualmente, nossa pesquisa se concentra no roteamento adaptativo de fiação dentro e na superfície de objetos impressos para melhorar esses resultados e permitir projetos mais complexos daqui pra frente. Um aspecto muito interessante para o futuro a médio prazo certamente é um contactless ink dispensing (basicamente, uma tinta especial que permite conexão wireless). O método de escrita direta é muito sensível às variações de superfície, temperatura e requer uma calibração cuidadosa.


3DPrinting: Alguma observação em especial que julgue relevante fazer em relação ao momento que estamos vivendo na história da ciência e da tecnologia?

Florens Wasserfall: Isso pode soar estranho, mas gostaria de fechar esta entrevista com um aviso que me preocupa. Da mesma forma como estou empolgado com a nova tecnologia e seu potencial, devemos estar conscientes de que estamos criando objetos altamente compostos que se tornam ainda mais difíceis de reciclar e reparar do que a eletrônica comum (que conhecemos hoje). Isso não chega a ser um problema no momento atual, mas deve ser considerado quando se trata de aplicação em larga escala.

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