Revolução Industrial 4.0 e darwinismo digital: o que a impressão 3D tem a ver com isso?

[:pb]O professor Roberto Camanho é uma dessas pessoas com quem o assunto sempre rende longas e proveitosas conversas – mais precisamente sobre indústria 4.0, um assunto que o fascina e o qual domina como poucos. Conversamos com o professor Camanho, que recentemente concedeu uma entrevista ao jornalista Heródoto Barbeiro, para ouvir sua visão sobre o mercado atual e futuro de impressão 3D, robótica e drones:

3DPrinting.: “A questão é que os softwares estão permitindo uma fácil transição de produtos para serviços. O conceito já foi validado, pois a maior empresa hoteleira do mundo, a Airbnb, e a maior empresa de táxi do mundo, o Uber, são empresas de software e não possuem nenhum ativo, seja ele hotel, seja ele veículo”*. De que forma você acha que seria possível – se for realmente possível – ocorrer o mesmo no segmento de impressão 3D?

Roberto Camanho.: Adorei essa pergunta. Quando um software viabiliza uma fácil transição do consumidor de produtos para serviços em um mercado consolidado ele supre a “função” que o mercado consumia como produto. Por exemplo, o Netflix supre a função de entretenimento ou lazer através de vídeo digitais. Essa função até pouco tempo era suprida pela locação da mídia de DVD e depois do Bluray. O que irá eliminar o mercado de Bluray é o serviço da Netflix, que é um software. No segmento de impressão 3D vejo que um software baseado na web pode permitir a prestação de serviços de impressão. Os fornecedores desses serviços poderão fornecer um link para você usar um software deles como SaaS (Software-as-a-Service) e com esse software você cria o seu produto e na sequência vai imprimi-lo em 3D. Depois é só receber ou ir buscar o produto que foi gerado. Por exemplo, você quebrou o puxador da porta da geladeira. Em vez de ir na assistência técnica, você manda imprimir a peça. Mas caso o problema seja com um trinco da porta que é antigo e não tem mais a fábrica, mas você possui o desenho ou a peça digitalizada, é só manda imprimir a peça em metal.

Você não comprou a máquina 3D, mas utiliza dos seus serviços. Essa evolução do software e a da internet na impressão 3D mudarão o rumo do comércio e da fabricação de peças de reposição.

3DPrinting.: “Na Quarta Revolução Industrial, quem se comunicar melhor e tiver melhor compreensão do ambiente e dos outros terá maior chance de sucesso”*. Na sua opinião, de que forma você acha que isso já vem acontecendo com a robótica, drones e a impressão 3D, levando em conta a quebra da patente em 2009 até os dias atuais?

Roberto Camanho: Aqui vale a pena levantarmos um aspecto importante da comunicação no ambiente produtivo. Nos anos 90 tive um caso interessante de implantação de redes de computadores que rodavam softwares de CAD. Uma empresa investiu um valor significativo para integrar as estações de trabalho de CAD, mas entre os departamentos continuaram a circular desenhos impressos e os arquivos não fluíam pela rede. Ao fazermos o diagnóstico do problema, ficou evidente que a insegurança gerada pela política interna e as agendas ocultas dos gestores que disputavam o poder dificultava o uso da rede, pois as justificativas não eram fisicamente apresentadas (tangíveis). Por exemplo, ninguém iria fazer um print do fluxo dos arquivos para levar na reunião de acompanhamento dos projetos, mas levava o print com as assinaturas e datas das entregas dos desenhos. O que quero concluir é o seguinte: por mais sólida e sedutora que seja a tecnologia disponível, primeiro a empresa tem que ter um nível de maturidade do seu modelo de gestão para que os investimentos em tecnologia façam sentido e gerem os resultados esperados.

3DPrinting: Como a questão da automação na robótica afetará o emprego na indústria 4.0? Você acha que o cenário é simplesmente nebuloso ou haverão boas surpresas ao longo do caminho?

Roberto Camanho: Quando se coloca caixa automático na entrada de uma agência bancária, se reduz o número de atendentes no caixa convencional do banco e se cria o atendimento para transações bancárias via internet, você observa a perda de emprego e também o deslocamento da mão de obra dentro da organização. Ao realizarem os pagamentos e as cobranças via web, as empresas deixaram de realizar as transações comercias através do fluxo físico dos documentos, o que reduziu ou até eliminou os tradicionais serviços de motoboy. Fui diretor de Marketing da Mentat, uma empresa que em meados dos anos 80 comercializava os robôs Siemens no Brasil. Vivenciei que onde ficará o robô não haverá mais operários. Por exemplo, em uma linha de produção automobilística o funcionário que colocava adesivos para a fixação dos vidros dianteiros dos carros, deixou de fazê-lo quando o robô assumiu essa tarefa. Os robôs se aplicam nas atividades que são rotineiras e são monótonas.

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Roberto Camanho é professor da ESPM e um grande entusiasta da Indústria 4.0

Mas é bom lembrar que para colocar os robôs em um posto de trabalho é necessário que o processo deste posto seja estável e as peças tenham um padrão homogêneo. O robô é cego e sempre faz o mesmo movimento. Caso o processo não seja estável e as peças não sejam homogêneas é necessário colocar uma série de sensores nos robôs, o que dificulta a operação, complica a manutenção, encarece ou inviabiliza a aplicação. Robotizar não é simples e nem é tirar uma pessoa e colocar um robô. Todo o processo deve estar adequado para ser robotizado. Concluindo, o cenário da evolução da robótica nos próximos três anos ainda é nebuloso. A robotização requer que seja antecedida pela otimização e maturidade do processo.

3DPrinting: Como a impressão 3D se encaixa no modelo da indústria 4.0? A personalização e o DIY – “Do It Yourself” (e/ou “Movimento Maker”) – tendem a se consolidar como um nicho de mercado no contexto da nova economia?

Roberto Camanho: Vejo que há movimentos, recentes e inovadores, dos fornecedores dos sistemas de CAD para integrar IoT com impressão 3D, como é o caso do Creo 4.0 da PTC. Entendo que o que comentou do uso do 3D para DIY trata de um nicho de mercado de equipamentos especifico de máquinas de baixo e médio preço. Acredito que o uso desses equipamentos (baixo e médio preço) com IoT (internet das coisas) se valerá da prestação de serviços.
Nos equipamentos de alto custo (high-end) temos que observar a impressão 3D de uma forma ampla, ou seja, como uma revolução no projeto dos produtos (impressoras 3D) e seus processos de fabricação (manufatura aditiva).
Nesses equipamentos a integração com IoT segue a tendência da integração com IoT para a transação de dados dos processos, sensores dos equipamentos, e características funcionais e físicas do produto em execução, entre outros dados relativos ao seu processo de trabalho.

3DPrinting.: Você poderia antecipar um pouco do que pretende apresentar em sua palestra no Inside 3D Printing São Paulo 2017?

Roberto Camanho: Estamos vivendo o momento em que a tecnologia e a sociedade estão evoluindo mais rápido do que as empresas podem naturalmente se adaptar. A evolução e ascensão da impressão 3D e da Manufatura Aditiva, são agentes importantes da construção de uma nova era industrial. Por isso, é necessário preparar o terreno para uma nova era de liderança, uma nova geração de modelos de negócios, típicas da Revolução Industrial 4.0, trazendo consigo o mantra “adaptar ou morrer”. Assim, vivenciamos o darwinismo digital. Essa palestra apresentará uma reflexão prática e orientativa de como as lideranças deverão conduzir as mudanças necessárias para explorar as oportunidades da impressão 3D e da Manufatura Aditiva.

3DPrinting: Como você enxerga o futuro da impressão 3D? Caminhamos para algo parecido, por exemplo, com o que aconteceu com a impressora 2D? Ou seja, no início eram máquinas enormes e totalmente inacessíveis ao usuário final, e hoje em dia qualquer pessoa pode adquirir uma em 12x no supermercado e usar em casa sem maiores dificuldades? Ou você acha que a impressora 3D para uso, digamos, doméstico, não deve chegar nesse patamar de simplesmente apertar um botão para se obter um protótipo em 3D?

Roberto Camanho: Com certeza os equipamentos já migram para algo bem parecido com as impressoras convencionais. As pessoas que curtem hobbies ou são hábeis nos concertos domésticos ganharam mais uma prazerosa ferramenta. Conheço um advogado que, há mais de um ano, comprou uma impressora 3D para fazer protótipos de suas invenções. Haverá também uma frente de aplicações para venda de concertos de equipamentos que pararam de funcionar e não tem peças de reposição disponível, similar às costureiras que reformam roupas.

3DPrinting.: Correndo o risco de parecer/ser redundante, mas como esse “modelo de tendência social” que é a chamada “economia do compartilhamento” afetará a impressão 3D no contexto da 4ª revolução industrial?

Roberto Camanho: É possível escrever um livro sobre esse tema. A impressão 3D viabiliza a produção de pequenos lotes de produtos, o que até pouco tempo era inviável, pois os custos do ferramental para produção como os moldes para peças plásticas não permitiam lotes de 50 ou duzentas peças. Há um universo de possibilidades pela frente. Por exemplo: Um designer de bijouterias pode se associar a uma oficina com impressoras 3D e juntos produzirem, a custos bem atrativos, uma edição limitada de suas peças.


*Esse é o trecho de uma entrevista concedida por Roberto Camanho à revista ESPM edição de julho/2016.[:]

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