Quais os desafios atuais da Bioimpressão no mundo?

Por Laura Loenert

Os estudos envolvendo Bioimpressão ainda estão em fase muito embrionária, com tímidos avanços concentrados ainda em pequenos laboratórios de universidades e centros de pesquisa espalhados pelo mundo, incluindo o Brasil. Especula-se, por exemplo, que até que seja possível transplantar um órgão bio-impresso em um ser humano com sucesso total se passarão não menos do que… 30 anos. Os mais otimistas acreditam que a tecnologia irá acompanhar o processo, que é bastante complexo, para que aconteça gradualmente e em menos tempo. Ainda assim, a biofabricação de um órgão menos complexo, funcional e completamente igual ao do corpo humano para transplante – um pedaço de pele, por exemplo – não levará menos do que uma década.

Essa introdução é importante para elucidar quais seriam os principais desafios da Bioimpressão até agora, e para além da interdisciplinaridade em uma área que envolve sobretudo geneticistas, engenheiros, biólogos e até mesmo químicos e médicos das mais diversas especialidades. Na semana passada, a geneticista e pesquisadora do CTI Renato Archer, Janaína Dernovsek, organizou um encontro na Unifesp, onde também é pesquisadora, para compartilhar com o público presente o que tem sido feito até agora no Brasil e no mundo no campo da Bioimpressão. Destacamos neste post alguns dos tópicos importantes abordados no encontro.

Desafios tecnológicos

No que diz respeito à tecnologia, a interoperabilidade é um dos principais entraves para evoluir nas mais diversas linhas de pesquisa. Isso porque ainda não existe um software específico para modelagem 3D em Bioimpressão. Os atuais são adaptados e emprestados da impressão 3D convencional, portanto não há uma integração de sistemas e de dados biológicos. “Na genética, trabalhamos muito com dados biológicos, e precisamos da integração desses dados, para que hajam respostas satisfatórias para insights melhores. Na Bioimpressão também necessitamos muito disso. Um software tem que se comunicar com outro na ‘gambiarra’ hoje em dia, mas o problema é que o nosso tecido é dinâmico, e precisa de parâmetros biológicos como o de transcrição [para se desenvolver] que se modifica em intervalos de dias”, explica Janaína.


E levanta uma questão fundamental: como ativar e desativar a cascata de sinalização específicas das células, considerando que a célula ativa e desativa dentro de um padrão fenotípico específico? “Esse padrão depende de estímulos, e esses estímulos dependem dos dados funcionais que temos disponíveis para projetar o órgão/tecido futuro”, explica a pesquisadora. A interoperabilidade de sistemas e dados é algo bastante discutido no CTI Renato Archer, que busca fomentar estudos na área. Uma das ideias é implementar um sistema de integração de dados biológicos para Bioimpressão no InVesalius, software de imagens genuinamente brasileiro, e específico para a área médica. Outro grande desafio tecnológico da Bioimpressão é a escalabilidade. Afinal, não faz o menor sentido biofabricar um tecido que não possa ser reproduzido em escala.

Desafios biológicos

Imagine o ambiente tridimensional onde ocorre a comunicação celular. Um tecido é bioimpresso com uma determinada biotinta para um tipo de célula específica; após 3 ou 4 semanas de experimento em laboratório, ela simplesmente para de produzir as moléculas específicas e necessárias monitorados no processo. Como compreender esse ambiente a fundo? Com quais ferramentas? Uma modelagem de todas as atividades celulares e moleculares necessitam ser amplamente estudadas e aprimoradas nesse campo. E o mais importante: observando e documentando diretamente a Bioimpressão, e não adaptando para a área o que já existe, como é feito atualmente.

Outro tópico muito abordado nos artigos científicos da área versa sobre a vascularização. Janaína conta que já existem vários artigos publicados sobre células endoteliais que foram ativadas em laboratório para produção de vasos sanguíneo. “Existem várias técnicas para reproduzir a vascularização em tecidos, mas, realmente integradas ao tecido em formação, é algo ainda em fase muito preliminar”, diz.

Por outro lado, no Brasil, já existem atualmente 4 empresas produzindo biotintas tendo como base o colágeno e a celulose. A parte de biomateriais e materiais sintéticos também têm crescido muito na Bioimpressão e na engenharia tecidual usando impressão 3D. “Lá no CTI ajudamos muitos instituições a criar scaffolds híbridos, usando biovidro e materiais sintéticos que estimulam a osteogênese. Esse campo de materiais sintéticos, materiais biocompatíveis e materiais biodegradáveis está crescendo muito”, comenta a pesquisadora, que é especialista no assunto, tendo abordado a reprodução de células tronco mesenquimais durante a osteogênese em sua tese de doutorado.

Outra observação interessante é que, na modelagem tecidual, no que diz respeito a estímulos físicos, a porosidade do scaffold estimula diretamente e indiretamente o tecido. Por exemplo, um artigo científico atestou que a modificação em escala nanométrica da topografia de certos scaffolds permite que as células se diferenciem em cartilagem ou osteoblasto. Portanto, estruturas físicas – como os scaffolds utilizados na biofabricação – também podem estimular a diferenciação celular.

Desafios químicos, físicos e de materiais

Existem atualmente 6 tipos de estimulação de resposta celular: a eletromagnética, já amplamente utilizada em muitos tratamentos, onde é feita a estimulação da proliferação de células tronco mesenquimais e a diminuição da inflamação em regiões de artrose e artrite com técnicas eletromagnéticas, e que influenciam diretamente as membranas celulares, que por sua vez estão cheias de proteínas ativadoras, que ativam as cascatas de sinalização para produzir mais ou menos proteínas, e com isso modificar a “personalidade” dessas células.

A elétrica, também usada para tratamento de tensão muscular, por exemplo, e que também serve para estimular diretamente as membranas celulares que estão cheias de proteínas ativadoras. Forças mecânicas, ou estímulos físicos, que também ativam as regiões compostas por diversas proteínas ativadoras de cascatas gênicas. Estímulos bioquímicos, que são os mais utilizados em pesquisas na área. A própria Janaína usou fatores de transcrição e microRNAs para estimular a osteogênese em sua tese de doutorado. As moléculas são usadas por um determinado tempo para analisar a resposta das células depois de 7, 14, 21 dias ou até mais para verificar se a célula respondeu àquele estímulo. Em sua pesquisa de doutorado, a pesquisadora utilizou alguns microRNAs novos, que ainda não tinham sido discutidos na literatura, e conseguiu caracterizá-los como estimuladores da osteogênese.

Por fim, temos as interações célula-célula e célula-matriz. As interações célula-célula contemplam proteínas de adesão diferentes. As proteínas de adesão presentes nas interações célula-célula são chamadas de caderinas, e, por sua vez, interagem com a membrana celular; já as integrinas, são moléculas de adesão responsáveis pela interação entre a membrana celular e as proteínas da matriz extracelular. Essas interações celulares possuem grande impacto na propriedade elástica do tecido.

Desafios éticos

Janaína Dernovsek compara a burocracia envolvida na regulamentação dos tecidos bioimpressos e da segurança dos protocolos de pesquisa ao caso das células-tronco, que levaram anos a fio até que algo fosse decidido sobre elas – e, ainda assim, carece de novas regulamentações para evoluir na pesquisa científica. Ou seja, provavelmente também aqui irão se passar muitos anos até que alguma regulamentação efetivamente aconteça no campo da Bioimpressão. Esperamos que não sejam os mesmos 30 anos estimados para a evolução satisfatória da área, que tanto desejamos.

Os encontros (meetups) sobre Bioimpressão acontecem uma vez por mês em São Paulo. Se você se interessa pelo tema e gostaria de se engajar no debate, como profissional, estudante ou mesmo entusiasta da área, compareça aos próximos encontros mensais, que contarão com profissionais de diversas áreas. O próximo será em 21 de fevereiro, na USP, em local ainda a ser confirmado. Acompanhe o trabalho de Janaina Dernovsek diretamente em seu site, o Biofabricacao.com. Para baixar o e-book com informações técnicas, acesse: https://www.biofabricacao.com/palestras

Vem aí o primeiro curso de Bioimpressão no Brasil. Inscreva-se:  https://www.facebook.com/events/1519765388157200/

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