Sonho ou realidade? Brasil na rota do primeiro protótipo de impressora 3D de cimento da América Latina
[:pb]O que parecia ser um sonho distante, acabou se tornando realidade em menos de 3 anos para um grupo de 8 jovens empreendedores de Brasília, Distrito Federal. Todos da área de engenharia e automação, com o ideal de criar uma máquina 100% nacional, capaz de competir inclusive no mercado internacional com empresas pioneiras como a chinesa WinSun, famosa pelo vídeo distribuído em 2014 onde mostra uma máquina capaz de imprimir cerca de 10 casas por dia. À frente do projeto da InovaHouse, Juliana Martinelli, idealizadora e CEO, conta nesta entrevista exclusiva ao 3DPrinting como tudo começou, e dos projetos futuros da startup:
3DPrinting: Como surgiu a InovaHouse? Poderia nos contar um pouco da história da startup?
Juliana Martinelli: A primeira ideia, que ainda não era InovaHouse3D, surgiu em 2014, quando a empresa chinesa WinSun viralizou o vídeo onde afirmava ser capaz de imprimir 10 casas em um dia. O conceito inicial era levar a tecnologia para o Haiti e ajudar a reconstruir o país, que foi abalado por um terremoto em 2010 e, mais recentemente, por um furacão. Infelizmente essa ideia não foi pra frente.
Em 2015, a Ideation trouxe para Brasília [onde vivem os jovens empreendedores da startup] a competição de startups “Sua Ideia na Prática”. Inscrevemos a ideia, formamos uma equipe e começamos as mentorias. Nosso mentor na época era o Lucas Lo Ami e ele provocou a reflexão de toda nossa equipe, que era majoritariamente formada por engenheiros, “porque vocês não desenvolvem uma impressora de vocês? O Brasil poderia usufruir de todas essas vantagens também!”. Desde então estamos desenvolvendo um modelo de negócios para introduzir essa tecnologia na construção brasileira.
No mesmo ano, a InovaHouse3D foi finalista na Copa do Mundo de Startups Universitárias, representando o Brasil na Dinamarca. Construímos nossa própria impressora de plástico para estudar mais a fundo a tecnologia, os desafios técnicos e tudo que envolvia o processo de impressão. Aplicamos para alguns editais e processos de aceleração e fomos rejeitados em todos por não termos um MVP desenvolvido.
Motivados por isso, em 2016 construímos o primeiro protótipo de impressora 3D de cimento da América Latina, apresentando ele na Construction Summit São Paulo, em um espaço dedicado a startups do setor. Ganhamos também o primeiro lugar no processo de pré-aceleração da Artemisia, com um projeto social de urbanização de comunidades carentes, que ainda é um sonho da empresa. Com todos os aprendizados deste ano, a meta passou a ser “desenvolver a primeira impressora 3D voltada para a construção civil da América Latina”, que deve ser batida ainda em 2017.
Até agora, em 2017, a InovaHouse3D recebeu cerca de R$ 800 mil dos editais de Inovação do SENAI e FAPDF para desenvolver o projeto. Além disso, fomos selecionados a compor o seleto time de startups aceleradas pela ACE em São Paulo.
3DPrinting: Quais os principais problemas da construção civil hoje que a impressão 3D poderia resolver?
Juliana Martinelli: Segundo uma pesquisa recente realizada pela Inova, a maior “dor” do setor é a questão de produtividade dentro das obras. No entanto, o conceito de produtividade é muito amplo, característica positiva para essa tecnologia, que pode se adaptar às necessidades reais da indústria, mas que dificulta a visualização de um caminho a seguir.
Os motivos que notamos ser os principais causadores dessa falta de produtividade estavam vinculados ao tempo e custo de obras. Por isso, ainda estamos estudando um modelo de negócio sustentável para aplicação da tecnologia na indústria brasileira.
A boa notícia é que não estamos muito atrás dos projetos mais famosos na área, além de contarmos com grandes especialistas como parceiros, que nos ajudam nesse brainstorming.
3DPrinting: Em uma matéria no Estadão, há um trecho replicado no site de vocês, que diz: “A idealizadora da InovaHouse3D, Juliana Martinelli, defende o potencial dessa tecnologia em locais que passaram por catástrofes. A produção mais rápida poderia ajudar, por exemplo, na reconstrução de Bento Rodrigues (MG) (…)”. Qual o papel da InovaHouse na economia colaborativa? Podemos pensar, por exemplo, em drástica redução de custos como incentivo para moradias populares, por exemplo?
Juliana Martinelli: Como disse antes, a empresa nasceu voltada para a construção social e não vamos perder essa raiz, que é muito forte na empresa e na equipe. No entanto, por ser uma tecnologia cara e que vai demorar um tempo para ser aplicada de fato à construção civil, devido a burocracias e normas do setor, foi necessário mudar um pouco o foco inicial de atuação.
Mas com certeza vamos estar sempre pensando em como impactar a sociedade com os benefícios do que estamos desenvolvendo!
3DPrinting: Quais são os principais materiais usados na liga de concreto que alimenta a impressora? Como é feita a escolha desses componentes?
Juliana Martinelli: Uma das principais diferenças da impressora aplicada à construção [em relação a uma impressora 3D convencional] é o bico extrusor. A máquina que estamos desenvolvendo utiliza material pastoso, que não precisa ser aquecido e sim bombeado, para imprimir. O traço da mistura vai ter como base os materiais já existentes na construção: areia, cimento e água.
Apesar de já termos um material inicial compatível com a tecnologia, estamos pesquisando de forma mais profunda um material que tenha uma melhor resistência. Esse desafio é responsabilidade das engenheiras Bruna Figueiredo e Débora Françoso.
3DPrinting: Poderia nos contar um pouco mais sobre a máquina que está em desenvolvimento? Como o projeto foi iniciado e como vem sendo acompanhado?
Juliana Martinelli: Em 2017, conseguimos fechar um projeto piloto para a estrutura alinhado com seus objetivos. Cada eixo medirá 2 metros, fazendo com que a impressora tenha um volume de impressão de 8m³. Seu princípio de funcionamento foi baseado em um pórtico rolante, uma estrutura familiar aos técnicos que trabalham no setor da construção, além de ser bastante robusta. O projeto técnico da estrutura foi feito pelo engenheiro mecânico Carlos Carvalho.
3DPrinting: Já há alguma previsão de quando será possível usar a tecnologia em grande escala no Brasil, por exemplo?
Juliana Martinelli: Ainda é difícil dar uma previsão, mas temos vontade de ver essa tecnologia atuando no mercado nos próximos 3 anos.
Acreditamos que a escalabilidade da impressão 3D vai se dar aos poucos, mas estamos trabalhando em uma estratégia para ela ganhar espaço no mercado aos poucos e impulsionar o setor.
3DPrinting: Como é o incentivo do governo federal para projetos desse porte? Vocês tiveram que recorrer somente à iniciativa privada para fazer acontecer? Pretendem exportar a tecnologia?
Juliana Martinelli: Na verdade todos os aportes que recebemos até agora são provenientes de editais financiados pelo governo. O apoio da iniciativa privada vem em forma de mentorias, abertura para discussões, matéria-prima e alguns outros insumos. Ainda encontramos no Brasil empresários que hesitam financiar projetos de inovação no estágio e maturidade da InovaHouse3D, pois são muitas incertezas e muitos riscos envolvidos.
Nosso foco é atender as demandas do Brasil, mas vislumbramos atuar em alguns mercados internacionais também. Ásia e Oriente Médio estão em nossos radares para projetos futuros, onde prefeituras como a de Dubai estão incentivando a construção usando essa tecnologia.
3DPrinting: Qual a diferença entre, digamos, “Contour Crafting” e impressão 3D em concreto para construção civil? Existe uma diferenciação ou complementação desses dois conceitos?
Juliana Martinelli: O Contour Crafting é um sistema que está sendo desenvolvido na Universidade do Sul da Califórnia que une a impressão 3D aplicada à construção e alguns outros mecanismos para outras demandas do setor. O objetivo deles é que todos os processos envolvidos em uma obra sejam automatizados, para que o projeto possa ser executado de forma remota. A tecnologia está sendo desenvolvida com uma visão de atuar em outros planetas.
Nossa empresa acredita que a simplicidade do novo sistema irá ajudar sua aceitação na indústria e que as melhorias devem ser feitas de forma gradual. Mas essa foi a estratégia que adotamos e acompanhamos de perto o desenvolvimento da CC Corp, afinal eles são pioneiros no uso da tecnologia.
3DPrinting: Quando a impressora estará disponível à venda no Brasil? Há alguma previsão para o lançamento? E qual deverá ser o valor de mercado da máquina?
Juliana Martinelli: Ainda é difícil falar em valores, mas queremos começar a pré-venda da máquina no início de 2018. Iremos trabalhar também com projetos encomendados, ou seja, não será necessário adquirir logo de cara uma máquina. Para acompanhar mais novidades é só ficar de olho no nosso site e acompanhar a nossa página no Facebook.
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